R.I.P. RS (2). CARIDADE (DIGITAL) E OS BESTIALIZADOS
- Cyber Leviathan

- 12 de fev.
- 2 min de leitura


Vimos assistindo o desenrolar da tragédia natural – embora construída pela opção de desenvolvimento e progresso destrutivo – e humana que se abate sobre meu estado natal.
Afastado dos pampas há alguns anos, ainda mais distante nestes dias – escrevo desde Sevilla – por questões profissionais, tenho atuado como posso, participando de diversas iniciativas em torno das necessidades experimentadas por aqueles que sofrem diretamente os efeitos das águas devastadoras, de regra pessoas já carentes em suas necessidades fundamentais, desprovidas e despossuídas, vítimas constantes das enchentes a cada dia mais recorrentes e impactantes.
É de impressionar como as comunidades se organizaram em torno à necessidade de apoio. Mutirões de ajuda se inauguraram desde os primeiros momentos, seja para resgate, seja para prestação de serviços, seja para fazer chegar alimentos, roupas, etc.
O que se tem visto é, de fato, uma força centrípeta para arrefecer as consequências imediatas da crise ou, melhor, do desastre.
A mesma humanidade que contribui para o desastre sócio-ambiental, agora acorre para aplacar as necessidades das vítimas. Autoridades públicas, em boa medida responsáveis por tudo isso, se distribuem entre ações, entrevistas – às vezes mais estas do que aquelas - e contratações de consultorias para apresentarem soluções que a política se diz incapaz de produzir, bem ao estilo do neoliberalismo.
Vários fatos e manifestações chamam a atenção. Uma delas, que me tem acompanhado desde que a li em uma destas redes (anti)sociais, foi a publicação – que não é mais uma das fake news que são multiplicadas pelos “imbecis da aldeia”(U. Eco) – de uma pessoa insuspeita e bem sucedida admoestando aqueles que, como eu, ao mesmo tempo que participam do processo de ajuda, não ficam “bestializados” (Jose Murilo de Carvalho) assistindo o desenrolar dos fatos. Lia-se na postagem que não se devia gastar energia, neste momento, para fazer a crítica dos fatos e dos atores. Que era necessário focar no socorro às vítimas.
Com certeza, o socorro às vítimas é uma prioridade a demandar nossas energias. Porém, tal não pode significar a passividade em torno aos fatos. Também, não pode servir apenas para aplacar nossa culpa cristã ou fazer aflorar uma “ética protestante”(M. Weber), muitas vezes esquecida nos desvãos da vida cotidiana. Muito menos se, para cumpri-la, se lance mão de uma espécie de “caridade digital”, quando energias – as mesmas que se pede para focar – são dispendidas para demonstrar em redes (anti)sociais o quanto se é caridoso, amainando um “espírito capitalista”(M. Weber), colhendo comentários e likes, além de novos seguidores/as.
Por isso, lembrei-me de Max Weber, bem como de Jose Murilo de Carvalho, pois, se aquele aponta para os vínculos entre a “ética protestante e o espírito do capitalismo”, aplacando culpas e fazendo ver – ainda mais nesta “era digital” – como se é caridoso, este nos convoca para, com o exemplo da história deste País, não ficarmos parados e silentes, quiçá coniventes, diante da narrativa oficial. Algo que não se compatibiliza com o projeto de Estado (Liberal) Democrático de Direito, onde o assistencialismo é substituído por direitos.
Mas, talvez isso seja apenas uma “desinteligência natural”, como enunciado nestes dias pela Min. Carmen Lucia. Mas este é outro assunto, ao qual voltarei.
Conteúdo repostado do "A vírgula".
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